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terça-feira, 19 de abril de 2011

"SERRA VELHO"




Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho

“Serra velho” é uma brincadeira que acontece na Semana Santa, precisamente, a meia noite da Quarta feira de Trevas, onde alguns rapazes se juntam e escolhem uma “vitima” seja homem ou mulher, basta ser velho e rabugento, para realizar a brincadeira. Esta “brincadeira” trazida pelos portugueses como “Serra da Velha” e incorporada no Brasil, principalmente na região Norte e Nordeste. Esta tradição mantida em cidades do interior, hoje, praticamente inexistentes.

Em Bom Conselho, como em outras cidades do interior, o Serra velho era uma constante no período da Semana Santa, dizia o meu velho pai Antonio Zuza, nas décadas de quarenta e cinqüenta do século passado. Os rapazes se juntavam e escolhiam e tramavam a “visita” aos velhos que seriam “serradas” na madrugada da Quarta feira de Trevas. Reuniam-se sempre em torno da Matriz da Sagrada Família ou na Praça Pedro II e ali saiam pela madrugada adentro para as casas a serem visitadas.

Em Bom Conselho, existia um velho chamado Nozinho, morando na Rua da Lama, em um casebre de dois cômodos. Dormia na sala em uma rede sustentada por cordas nos caibros do telhado, com um retrato do Coração de Jesus na parede e a imagem de Nossa Senhora das Graças na prateleira, santa de sua devoção. Dizia que era para vigiar o seu sono. Era um homem esquisito e muito mais quando a Dona Joana morreu e o deixou sozinho. Saia somente para o “quadro” para a feira para comprar “fumo de corda” e papel de seda “Guarany”, a Matriz para assistir as Missas e compras necessárias na venda de Seu Vitinho, onde adquiria querosene, açúcar preto, bolacha d’água, milho para as galinhas que criava no terreiro e apanhava “lavagem” para os seus porcos em casas vizinhas. Era mesmo um homem esquisito. Não gostava de amigos e sendo assim era perseguido pela meninada na rua gritando pelo seu nome de Nozinho, o que encabulava.  Como de costume todos os anos sua casa era visitada, não valia a sua reclamação, “deixe-me dormir, bando de maloqueiro’, gritava na meia porta da casa. O pessoal ria e saia depois que ele fechava a porta, não se incomodando com aquele aperreio do Seu Nozinho na Semana Santa, que deveria ser santa mesmo.

- Este ano ele disse para si mesmo: Vou dar um susto nesta cambada de maloqueiros.

E assim se foi.

Na quarta feira, deixou sua casa em baixo de uma chuva fina guarnecido pelo guarda chuva preto surrado e se dirigiu para a Bodega de Seu Vitinho vestido em capote velho e desbotado e a calça de caqui enrolada a meia perna. . Alguns homens estavam sentados sobre sacos de farinha e tomando seu aperitivo com os copos no balcão, e olharam de envieis, enquanto ele pelo “canto do olho” divisava a ironia daqueles que ali estavam com sorrisos marotos.

- Seu Vitinho me dê meio quilo de sal grosso.

- Pra que você quer este sal, Nozinho, vai fazer mandinga por ai?

- Não Seu Vitinho este sal é para jogar no terreiro para evitar o mau olhado.

            - E, você acredita nisso, Nozinho?

 - Agente tem que acreditar em tudo, o olho grande é uma praga e se pega ou aleija ou mata, disse rindo mostrando os dentes amarelos pelo fumo.

Pagou e saiu com o pacote debaixo do braço, dizendo, para si mesmo, hoje é o dia que esses maloqueiros não vão se esquecer riu e tomou o rumo do seu casebre.

Gostava de caçar. Vez por outra enveredava pelas matas carregando a tiracolo a sua espingarda soca-soca, um bornal de lona, e varias tipos de chumbo. O chapéu de palha na cabeça livrava do sol de inicio da tarde. Trazia já ao anoitecer algumas rolinhas       que tratava e depois assava e comia, era a sua última refeição do dia. Estirava-se na rede e dormia a sono solto apagando o candeeiro, primeiro. Levantava-se antes do sol nascer, dando comida as suas galinhas e tratando dos seus porcos. A sua vida era assim. A velhice vinha aos poucos comendo os seus dias, mais ainda tinha força para enfrentar uma “onça” dizia a todos, e todos riam.

Assim que chegou a casa, sentou-se num tamborete velho e colocou a espingarda soca-soca entre as pernas e colocou bucha e com uma vareta socou, depois colocou um punhado de sal grosso, das pedras maiores, colocou nova bucha e com mais força socou com a vareta e colocando uma espoleta virgem e escorando a espingarda atrás da porta. Terminado esta tarefa voltou a Bodega do Seu Vitinho, comprou pão e deu uma volta na praça, vendo alguns rapazes conversando animadamente.  Acendeu o candeeiro, colocando em cima de uma pequena mesa e acendeu um cigarro de “fumo de rolo” deu algumas baforadas e esticou-se na rede olhando o retrato do Coração de Jesus na parede, que parecia estar contente com o que ele ia fazer, pois, no seu pensamento Jesus não gostava desta brincadeira em “serrar o velho”.

Fechou os olhos e adormeceu.

Lá para meia noite, sentiu um vozerio na rua. Olhou pela brecha da porta, vinha se aproximando vários rapazes, e estancaram na sua porta. Um deles tirou uma folha de papel branco do bolso, e dizendo seu Nozinho, aqui está o seu testamento! Os outros começaram a chorar, a lamentar e o ranger os dentes, enquanto o serrote em uma lata velha fazia o barulho reco-reco-reco, no silencio da noite.

Era um barulho infernal.

O líder começou a ler em voz alta e chorosa:

- Seu Nozinho, prá quem vai deixar o seu baú? Outros rapazes em coro choravam alto, desalinhando os cabelos e com um lenço enxugando as lágrimas e assuar o nariz.

- E, a sua cama Seu Nozinho vai deixar para quem?

- E sua dentadura?

- E o seu relógio? E os seus bacorinhos? E suas galinhas?  E o seu paletó? E o seu casebre? E sua aliança de ouro? E cordão de prata com a medalha de Santo Antonio, com quem vai deixar? Todos os acompanhantes a cada indagação choravam e lamentavam alto som, enquanto o serrote na lata completava aquele espetáculo.

Seu Nozinho observa tudo pela brecha da porta. Ajoelhado, apanhou ao seu lado a sua espingarda, cuspiu na mão, e pelo um buraco na parede, colocou o cano e disparou sem mirar.

 Foi aquele estampido e o cheiro da pólvora invadiu o seu casebre. Foi aquela correria e gritos: O desgraçado me acertou na perna! Outro dizia, me acertou no peito e nos braços outro, me acertou nas costas!  Foi aquela revoada. Ninguém sabia para onde ia, a imprecações ecoavam no silencio. E o Judas que deixariam na porta do casebre, ficou estendido no meio da rua. Seu Nozinho dentro de casa ria a valer e dizia para si: bem feito. Foi uma surpresa e tanto. Ria que lhe dava dor de barriga. Abriu a porta e não viu ninguém apenas, uma lata velha e um serrote desdentado e o boneco de Judas no chão. Apanhou e levou para casa dizendo, esta vai ficar na parede como lembrança. Deitou-se novamente e dormiu o resto da noite tranqüilo.

5 comentários:

  1. Aqui, na ilha da Madeira, Portugal, também se faz essa brincadeira em Ponta Delgada, cá denominada por "Serrada da Velha".

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  2. Muito interessante sua história, estava lendo e revivendo meu tempo de adolescente, era desse jeito mesmo com todos os detalhes.

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    1. Sou do interior do estado de pernambuco, cidade de Águas Belas, morava no sítio, quando criança ouvi muito essa estória de serrar velho.

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  3. Engraçada a brincadeira para os brincantes e horrível para os Nozinhos da vez.
    Tenho 55a, sou do Curimataú paraibano e nunca ouvira falar dessa tradição. Da malhação do judas, na sexta-feira, sim. Mais uma para Minha coleção.

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  4. Nem me lembrava mais dessa brincadeira. Mas era muito divertido, a seu tempo. Essa narrativa bem lembra a realidade. O velho eleito pelo "maloqueiros" sofria um bocado. Gostei de relembrar. Santa Cruz do Capibaribe/PE. 11/04/2020. Manoel Ramos.

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